As células HeLa são amplamente utilizadas em pesquisas científicas desde
os anos 50; somente em 2013 os herdeiros Lacks ganham o direito sobre os dados
genéticos de sua própria família
Um
breve histórico
Henrietta Lacks tinha apenas 31 anos quando sofreu de um grave câncer
cervical. Os médicos do hospital Johns Hopkins, localizado em Baltimore nos Estados Unidos,
retiraram uma amostra do tecido de Lacks e enviaram ao pesquisador George Gey.
George estava tentando cultivar tecidos humanos, sem êxito. Ao se deparar com
as células de Henrietta, chamadas posteriormente de HeLa (pronuncia-se
“ri-la”), ele notou que elas tinham um ótimo crescimento e se duplicavam a cada
24 horas. Henrietta, no entanto, não consentiu em participar de tais
experimentos.
A história ficou conhecida mundialmente através do livro publicado por Rebecca
Skloot em 2010, “A vida imortal de Henrietta Lacks”. A escritora relata o drama vivido
pelos herdeiros de Henrietta, que são de origem humilde e nunca tiveram acesso
aos lucros obtidos com as vendas de HeLa. E este livro foi decisivo para as
discussões mundiais sobre a ética no uso de células humanas em pesquisas.
Em 2013, a publicação do artigo contendo informações sobre o genoma das células HeLa gerou um clima de
revolta entre pesquisadores e a família Lacks. Os herdeiros ficaram preocupados
com o tipo de informação que o estudo iria revelar sobre o histórico de doenças
que eles poderiam ter.
Após alguns meses de discussão, o National Institutes of Health (NIH) fez um acordo com os Lacks. Este acordo prevê que o acesso à
sequência completa do genoma das células HeLa seja controlado e confere à
família o poder de mapear os trabalhos que estiverem sendo feitos sobre o
assunto. Assim, o pesquisador que precisar do banco de dados deverá pedir
autorização para o NIH e para os herdeiros de Henrietta. A família, no entanto,
continua a não receber nenhum lucro sobre as vendas de HeLa.
A pesquisa científica e as
regulamentações
O aumento no número de pesquisas com
o DNA humano impulsionou as discussões éticas sobre a utilização dos dados
genéticos obtidos. A história de Henrietta tem sido de grande importância para
a regulamentação deste segmento de pesquisa, inclusive no Brasil. O nosso país
conta hoje com três grandes órgãos que regulam as pesquisas científicas
envolvendo seres humanos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a resolução nº 9 em 2011, que contém regras para o funcionamento
dos Centros de Tecnologia Celular (CTC). Estes Centros são responsáveis pelo
fornecimento de células humanas e seus derivados para pesquisa clínica e
terapia.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) presta auxílio
técnico desde 2005 para as regulamentações envolvendo a segurança na
manipulação de organismos geneticamente modificados, conhecidos também pela
sigla OGM.
O pesquisador da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade
Estadual de Campinas (FCA - Unicamp), Fernando Simabuco, explica um pouco sobre
as regras do Manual de Biossegurança:
“A linhagem [celular] é classificada com um nível de biossegurança de
acordo com o risco da modificação genética. O descarte também depende dessa
classificação. Linhagens celulares sem modificações genéticas são descartadas
em hipoclorito 10%.”
No caso de linhagens celulares de nível de biossegurança 2 (contém
patógenos que oferecem risco moderado para a comunidade), Fernando aponta que
elas devem ser descontaminadas com hipoclorito e autoclavadas antes do
descarte.
Por fim, o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) avalia os
aspectos éticos nas pesquisas que envolvem seres humanos. A resolução 466 ,publicada em dezembro de 2012, prevê ações que
asseguram a confidencialidade e a
privacidade dos participantes da pesquisa. Este documento teve como uma de suas
bases a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos
Humanos.
Conheça a HeLa!
As células HeLa têm sido amplamente utilizadas em pesquisas científicas
nos últimos 50 anos. Jonas Salk pode desenvolver a vacina da pólio com células
HeLa. Ela esteve presente também em pesquisas sobre câncer, efeitos da radiação
e substâncias tóxicas, AIDS, e mapeamento genético.
b) células HeLa vistas através de um
microscópio óptico. Fonte: Germanna Righetto, Laboratório Nacional de
Biociências (LNBio).
A doutoranda em proteômica pela Unicamp, Annelize Aragão, conta que elas
foram a primeira de uma linhagem de células chamadas imortais. As células
imortais são aquelas capazes de se manter em constante divisão. Isso acontece
devido a técnicas de engenharia genética que alteram o processo de morte
celular. As células imortais tem origem nas linhagens primárias, que são
retiradas diretamente de um paciente ou doador.
Para adquirir um frasco de HeLa, é possível comprá-lo através de sites
como o ATCC por cerca de U$400, pegar uma amostra emprestada de um colega
pesquisador ou buscá-lo em um banco de células. O biólogo e curador do Banco de
Células do Rio de Janeiro, Antônio Monteiro, explica um pouco sobre este
centro:
“O Banco de Células do Rio de Janeiro é a única coleção de células
humanas e animais prestadora de serviço do Brasil e é a maior da América do
Sul, não só em acervo mas também na prestação de serviços. Temos cerca de 400
células, sendo que aproximadamente 30% são de origem humana. O custo do serviço prestado de descongelamento e manutenção das células
é de 840 reais.”